Primeira ucraniana bolsista da Fundação Araucária completa um ano de trabalho na UEL 25/05/2023 - 17:12

No dicionário de português, a palavra “primeira” significa “a que precede outros em tempo, a que ocupa”. Mariia Boiko entende na prática o que é o substantivo. A  pesquisadora ucraniana foi a primeira bolsista a ser recebida pelo Programa de Acolhida aos Cientistas Ucranianos, promovido pela Fundação Araucária. Nesta quinta-feira (25), ela completa um ano na Universidade de Londrina (UEL).

Na sala 05 do Centro de Ciências Biológicas da Universidade, Mariia separa e analisa as amostras. A sala típica de um laboratório em uma universidade pública, virou a segunda casa da professora. Entre as vidrarias e microscópios, os 12 meses em Londrina foram dedicados ao estudo da Microbiologia, ciência dos micro-organismos.

Mariia é professora da Universidade Nacional de Ciências da Vida e Ambientais da Ucrânia, em Kiev, capital do país. Com o início da Guerra entre Ucrânia e Rússia, em fevereiro de 2022, o Programa de Acolhida aos Cientistas Ucranianos foi a oportunidade de continuar com a sua pesquisa. “Aqui, eu posso aprender coisas novas e diferentes, como extrair DNA e fazer testes de Covid-19. Isso é muito bom para minha carreira no futuro”, conta a ucraniana.

Três cidades

Mariia nasceu em Kropyvnytsky, na região central da Ucrânia, que fica a 300 quilômetros de Kiev. A chegada na capital ucraniana se deu 15 anos atrás. “Minha história começa em Kropyvnytsky, mas continua com a minha carreira e meus estudos na capital”, destaca.

A ligação com a cidade natal permanece, já que seus pais ainda moram lá - o local ainda é seguro, comparado aos perigos vividos na capital. “Nessa cidade não há soldados, por exemplo, então é um lugar seguro por enquanto. Isso é bom. Mas com os mísseis não há lugares totalmente seguros na Ucrânia”.

Kropyvnytsky, Kiev e Londrina agora são as três casas de Mariia. A pesquisadora divide horas de trabalho no Brasil e Ucrânia, já que ainda leciona para estudantes do país de origem de forma online. Na UEL, Lucy Lioni acompanha Mariia no projeto intitulado ‘Avaliação do potencial antifúngico de substâncias naturais e sintéticas sobre células planctônicas e sésseis de Candida spp. e Cryptococcus spp.’.

O projeto tem como objetivo buscar potenciais substâncias com atividade antimicrobiana. "Os resultados gerados nesta proposta servirão de base para estudos de aplicação dos produtos naturais e sintéticos em formulações para uso em infecções humanas ou ambientais", explica Lucy. O objetivo é desenvolver produtos de baixo custo e de fácil acesso à população. "A Mariia é uma excelente pesquisadora, desde o início queria entender melhor o projeto, pois seria uma nova área de conhecimento".

Como a área de formação da pesquisadora é voltada para biotecnologia aplicada à microbiologia ambiental, Mariia trabalha com estudantes da graduação e pós-graduação para aprender o máximo possível novas técnicas. "Isso é importantíssimo para o retorno dela à Ucrânia, pois são linhas de pesquisas que ela poderá desenvolver futuramente", enfatiza a orientadora.

São trocas ricas entre Mariia, professores e alunos. "Ela tem interagido muito bem com os estudantes que temos no nosso laboratório, dividindo as falas em inglês, português e muitas risadas. Por sorte, todos conseguem se comunicar, ela melhorando o português e os alunos melhorando o inglês". Ao final da pesquisa, Lucy espera que Mariia possa obter algum composto, seja natural ou sintético, que tenha atividade antifúngica. "Depois, pretendemos desenvolver alguma formulação para ser utilizada no tratamento dessas infecções. Tudo isso facilita, pois a Mariia é uma pessoa que busca ler e entender sobre as técnicas que ela irá utilizar, ajudando na execução e análise dos resultados", completa.

Família no Brasil

Mariia mora com a filha Xenia de 8 anos, em Londrina. Assim como a mãe, a filha também divide a rotina de estudos entre Brasil e Ucrânia. “Ela tem duas escolas, faz francês e inglês na escola ucraniana e aqui, em Londrina, ela estuda português e inglês. Então são quase três línguas estrangeiras para ela”, conta. Apesar do hábito intenso de estudos, a adaptação para a menina foi fácil, segundo a mãe. “Ela gosta mais do português. Porque é melhor para ela se comunicar aqui. E ela sabe português melhor do que eu”, sorri.

Gostar de português facilitou para Xenia fazer amizades. “Crianças brasileiras são abertas e divertidas. E as pessoas em geral também e eu estou me tornando assim, com os brasileiros”, descreve.

O fato de se “tornar brasileira” fez com que Mariia buscasse aproveitar mais a vida. “Eu entendo isso com a Guerra, em especial. Porque você não sabe o que esperar e você precisa apreciar cada segundo e cada minuto da sua vida”.

Para aliviar a angústia e a saudade, Mariia liga quase todos os dias para seus pais e amigos  que estão na Ucrânia. A ligação não é apenas para conversar, mas também para saber se todos ainda estão bem. “Eu começo meu dia lendo as notícias e me sinto mal quando algo acontece. Por exemplo, quando civis ou crianças morrem por causa dos mísseis e das bombas, é muito difícil acordar com essas notícias”.

Lá e aqui

O coração de Mariia ainda está na Ucrânia. “Fisicamente, eu estou aqui com vocês, mas meu coração sempre está com meus pais, com meus amigos, com minha terra. Com meu país natal, porque eu sou ucraniana”. Mas uma parte dela não quer deixar o Brasil. “É um país muito bom e muito bonito. Eu amo a natureza e a natureza aqui é maravilhosa”.

Para ela, não é apenas sobre a Guerra, mas também sobre a cultura ucraniana. “Nós não temos que ir para a Guerra contra qualquer país que seja. Nós só queremos viver em liberdade e independência. Só queremos trabalhar e ficar em nossa terra”. Mesmo com o coração dividido, Mariia agradece pela hospitalidade e jeito amigável e gentil brasileiro. “Nós vamos vencer. Porque a verdade está do nosso lado. Nós somos fortes e podemos reconstruir tudo o que a Rússia destruiu. Nós seremos um país forte e de sucesso no futuro. Eu tenho certeza disso”, finaliza.

 

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First Ukrainian researcher of Araucaria Foundation completes one year of work at UEL

In the Portuguese dictionary, the word “first” means “the one that precedes others in time, the one that occupies”. Mariia Boiko understands in practice what it means. The Ukrainian researcher is the first scholarship holder of the Welcoming Program for Ukrainian Scientists, promoted by Araucaria Foundation. This Thursday (25), she completes one year at the State University of Londrina (UEL).

In room 05 of the Biological Sciences Center from the University, Mariia separates and analyzes the samples. The typical laboratory room at a public university became the professor's second home. Between glassware and microscopes, the 12 months in Londrina were dedicated to the study of Microbiology, the science of microorganisms.

Mariia is a professor at the National University of Life and Environmental Sciences of Ukraine in Kiev, the country's capital. With the beginning of the War between Ukraine and Russia, in February 2022, the Welcoming Program for Ukrainian Scientists was her opportunity to continue her research. “Here, I can learn new and different things, like extracting DNA and doing Covid-19 tests. This will be very good for my career in the future”, says the Ukrainian.

Three cities

Mariia was born in Kropyvnytsky, in central Ukraine, 300 kilometers from Kiev. Her arrival in the Ukrainian capital took place 15 years ago. “My story begins in Kropyvnytsky, but continues with my career and my studies in the capital”, she points out.

The connection with her hometown remains, as her parents still live there - the place is still safe, compared to the dangers experienced in the capital. “In this city there are no soldiers, for example, so it's a safe place for now. That is good. But with missiles there are no completely safe places in Ukraine”.

Kropyvnytsky, Kiev and now Londrina are the three houses of Mariia. The researcher divides her working hours between Brazil and Ukraine, as she still teaches online Ukrainian students. At UEL, Lucy Lioni accompanies Mariia in the project entitled 'Assessment of the antifungal potential of natural and synthetic substances on planktonic and sessile cells of Candida spp. and Cryptococcus spp.'.

The project aims to seek out potential substances with antimicrobial activity. "The results generated in this proposal will serve as a basis for studies on the application of natural and synthetic products in formulations for use in human or environmental infections", explains Lucy. The objective is to develop low-cost products that are easily accessible to the population. "Mariia is an excellent researcher, from the beginning she wanted to understand the project, as this would be a new area of knowledge for her".

As the researcher's training area is focused on biotechnology applied to environmental microbiology, Mariia works with graduate and postgraduate students to learn as many new techniques as possible. "This is extremely important for her when she returns to Ukraine, as they are lines of research that she may develop in the future", emphasizes the advisor.

The exchanges between Mariia, professors, and students are enriching. "She has been interacting very well with the students we have in our laboratory, dividing the speeches into English and Portuguese and lots of laughter. Luckily, everyone manages to communicate. She’s improving her Portuguese and the students are improving their English".

At the end of the research, Lucy hopes that Mariia will be able to obtain some compound, whether natural or synthetic, that has antifungal activity. "Later, we intend to develop a formulation to be used in the treatment of these infections. All this facilitates, as Mariia is a person who seeks to read and understand the techniques she will use, helping in the execution and analysis of the results", she completes.

Family in Brazil

Mariia lives with her 8-year-old daughter Xenia in Londrina. Like her mother, her daughter also divides her study routine between Brazil and Ukraine. “She has two schools, she studies French and English at the Ukrainian school and here, in Londrina, she studies Portuguese and English. So that's almost 4 foreign languages for her,” she says. Despite the intense habit of studying, the adaptation for the girl was easy, according to the mother. “She likes Portuguese more. Because it's better for her to communicate here. And she speaks Portuguese better than me”, she smiles.

Liking Portuguese made it easier for Xenia to make friends. “Brazilian children are open and fun. People in general too, and I'm becoming that way, with the Brazilians,” she describes.

The fact of “becoming Brazilian” made Mariia seek to enjoy life more. “I understand that with war. Because you don't know what to expect and you need to appreciate every second and every minute of your life”.

To relieve her anguish and longing, Mariia calls her parents and friends in Ukraine almost every day. The call isn’t just to talk, but also to see if everyone is still okay. “I start my day reading the news and feel bad when something happens. For example, when civilians or children die because of missiles and bombs, it is very difficult to wake up to that news”.

There and here

Maria's heart is still in Ukraine. “Physically, I am here with you, but my heart is always with my parents, with my friends, with my land. With my home country, because I am Ukrainian”. But a part of her doesn't want to leave Brazil. “It is a very good and very beautiful country. I love nature and nature here is wonderful”.

For her, it's not just about the war, but also about Ukrainian culture. “We don't have to go to war against any country. We just want to live in freedom and independence. We just want to work and stay on our land.” Even with a divided heart, Mariia is grateful for the hospitality, friendly and gentle Brazilian way. "We will win. Because the truth is on our side. We are strong and we can rebuild everything that Russia has destroyed. We will be a strong and successful country in the future. I am sure of that”, she concludes.

 

Texto: Jéssica Natal | Fotos: Henry Milléo, Jéssica Natal e Mirna Bazzi - UEPG.

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