Transplante de medula óssea pode combater cardiopatia provocada pela Doença de Chagas 31/07/2014 - 16:22

O Núcleo de Chagas da Universidade de Brasília (UnB) constatou que o transplante de medula óssea pode ser a solução para milhões de pessoas portadoras da doença de Chagas que, por causa da patologia, podem desenvolver problemas no coração.

De acordo com o professor Antônio Teixeira, que estuda o tema há 25 anos e é integrante do Núcleo de Chagas, o micróbio infecta muitas pessoas nas famílias brasileiras. Porém, apenas 20% a 30% dos infectados desenvolvem doenças no coração ou no tubo digestivo – casos mais graves da doença – o que pode levar à morte.

A doença de chagas é uma enfermidade transmitida pela picada do barbeiro infectado pelo Trypanosoma Cruzi. De acordo com Teixeira, em algumas metrópoles, é possível encontrar o inseto contaminado até mesmo em condomínios urbanos recém-inaugurados. A informação é relevante no intuito de frisar que a chagas está presente nos cinco continentes e em todas escalas sociais. “Essa doença é, hoje, um problema de saúde pública global,” garante o pesquisador.

Mas, ao analisar as estatísticas, a doença de chagas “é menos perigosa do que o trânsito,” compara o professor. Ainda segundo ele, “enquanto a ciência avança para buscar a prevenção da doença e melhorar o sofrimento daqueles que já estão agravados que recebem tratamentos paliativos, nós devemos – num processo de educação, informação e comunicação para saúde – esclarecer o povo para acabar com esse tipo de sofrimento injustificado”, acrescenta Teixeira. Na opinião do pesquisador, é importante acabar com o preconceito infundado contra os portadores da doença.

O trabalho da equipe de cientistas é o resultado do Programa de Apoio à Núcleos de Excelência (Pronex), um convênio entre a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Segundo Teixeira, o Núcleo de Chagas já foi contemplado duas vezes consecutivas pelo programa. “Isso significa 12 anos de financiamento considerável. Nós somos muito gratos por isso,” reconhece o pesquisador. O estudo multidisciplinar sobre chagas é de autoria dos professores Antônio Teixeira, Nadjar Nitz, Francisco Bernal e Mariana Hecht, além de alunos de mestrado e doutorado que assinam o trabalho nas primeiras posições.

Avanço

O pesquisador Antônio Teixeira identificou que para intervir com sucesso, primeiramente, seria necessário conhecer o mecanismo de produção da doença. “Direcionei tudo para estudar os mecanismos que fazem o coração ficar doente em alguns casos. Descobrimos que o parasita que se multiplica nas células do corpo todo pode transferir o DNA para o genoma da pessoa. Isso se chama mutação”, disse.

A partir daí, descobriu-se que a doença só se desenvolve nos indivíduos que possuem as mutações. As células do sistema imune, que têm origem em células tronco na medula óssea, modificadas pelas mutações, nos indivíduos infectados começam a agir de forma acelerada e começa a atacar o próprio corpo e o principal alvo é o coração.

Para aprofundar os estudos, o pesquisador iniciou a produzir a doença em cobaias. “Não pode ser mamífero porque ele fica infectado a vida toda. Escolhemos a galinha porque ela é refratária ao Trypanosoma cruzi, isso significa que a infecção não pega na galinha. Fizemos a inoculação do Trypanosoma no ovo fertilizado. Quando se inocula no ovo, aquele embrião só tem poucas células, não tem sistema imune, então, o Trypanosoma entra na célula, se multiplica e inocula o DNA no genoma. Antes do pinto nascer, o sistema imune começa a operar e elimina a infecção e fica somente a mutação. Anos depois a galinha desenvolve cardiopatia e morre com doença de chagas, mas o animal não tem o parasito. Descobrimos aí que são as mutações que produzem a cardiopatia”, explicou.

Dando prosseguimento à pesquisa, o professor Antônio Teixeira foi para Praga, capital da República Tcheca, onde tem academia de ciência de altíssimo nível. “Em Praga encontramos galinhas de duas linhagens que são cópias idênticas. Na mesma linhagem, as galinhas são todas iguais, mas entre as duas linhagens há diferenças,” disse.

Voltando ao Brasil com dezenas de ovos das galinhas das duas linhagens, o professor Antônio voltou a fazer os experimentos. “Confirmamos que as aves da linhagem ‘A’ pegam enxerto de tecido da mesma linhagem e que o enxerto era rejeitado quando feito da linhagem ‘B’ para ‘A’, ou vice-versa. Pegamos as aves da linhagem ‘A’ e ‘B’, fecundamos os ovos e depois inoculamos com o Trypanosoma cruzi. As aves nascidas de ovos inoculados com Trypanosoma cruzi da linhagem ‘A’ nascem sem infecção, mas com as mutações retidas no genoma e desenvolvem cardiopatia. A mesma coisa acontece com a linhagem ‘B’. Considere agora que eu tenho da linhagem A e B, galinhas que nunca foram mexidas. Nenhuma manipulação no genoma, porque são nascidas de ovos sadios, sem inoculação do Trypanosoma cruzi. Se eu pegar o coração do pintinho da ave ‘A’ e colocar na ave ‘B’ com a mutação, esse coração é rejeitado. Mas, se eu pegar o coração da ‘A’ normal e colocar na ave ‘A’ normal, ele é aceito porque é compatível. Essa é a base do raciocínio,” explicou.

Assim, os cientistas descobriram que as aves da linhagem ‘A’ nascidas de ovos inoculados com o Trypanosoma Cruzi, com as mutações no genoma, rejeitam o enxerto de coração de pinto sadio da mesma linhagem. Essa descoberta confirmou que a rejeição tinha origem genética nas mutações introduzidas no genoma pela infecção. O mesmo ocorria quando se usava enxerto de coração do pinto sadio da linhagem ‘B’ para ave da mesma linhagem com mutação (nascida de ovo inoculado com Trypanosoma Cruzi).

Prosseguindo com os experimentos, os pesquisadores decidiram destruir a medula das aves com a mutação aos 5/6 meses de idade, fase em que ainda não apresentaram a cardiopatia, e transferir uma medula óssea sadia para a ave doente. Verificou-se assim, que a ave com a mutação, porém com a medula óssea sadia não desenvolveu a cardiopatia. “A conclusão é que o que produz a cardiopatia são as células do sistema imune que são produzidas na medula óssea e com o genoma modificado destrói o próprio coração. Fizemos a contraprova. Pegamos a ave sadia, matamos as células da medula óssea e colocamos a medula óssea doente. A ave sadia com medula óssea doente desenvolveu cardiopatia e morreu”, explicou. “Agora, sabemos que destruindo a medula óssea doente e colocando medula óssea sadia você impede a cardiopatia.”, concluiu o pesquisador.

De acordo com Antônio Teixeira, o procedimento é rápido e simples. “A dificuldade maior é de encontrar um doador na população humana geneticamente compatível com o receptor. Por meio de drogas, as células tronco do indivíduo doente são destruídas e são injetadas células sadias que rapidamente crescem e substituem o que foi destruído. Fazendo esse procedimento em um intervalo de dois dias, o índice de mortalidade entre as aves é de zero. A dificuldade está na tipagem não adequada porque a medula pode ser rejeitada. Se a medula for rejeitada, a pessoa fica sem defesa e pode ter infecção generalizada. Isso só acontece devido a rejeição da medula óssea não compatível,” detalhou.

“A nossa ciência está trabalhando agora para estudar qual é o conjunto dessas mutações que quando elas aparecem é um mau prognóstico, ou seja, é um fator preditivo da chegada da doença. Então, nós agora queremos saber quais, entre os chagásicos, tem as mutações perigosas representando o risco da doença no coração,” disse o pesquisador demonstrando que esse será o próximo passo do estudo.


Fonte: Agência de Notícias FAPDF